sexta-feira, 8 de maio de 2009

Lições do Vale do Silício em época de crise


A crise financeira global tem tomado quase todo o espaço do jornalismo econômico nos últimos meses. Agora, já não há dúvidas de que a economia real será mesmo contaminada, mas ninguém sabe ao certo por quanto tempo ou com que profundidade.

Há entretanto uma unanimidade curiosa para a história do Brasil: seremos menos afetados do que os países desenvolvidos. Temos boas reservas em dólar, boa demanda no mercado interno e nossas instituições financeiras estavam pouco expostas aos títulos que geraram o início dos problemas lá fora. Embora possa parecer loucura para qualquer brasileiro que tenha mais de 30 anos de idade, o Brasil vive um momento muito mais sólido em todos seus fundamentos econômicos. É claro que não estamos imunes à uma recessão global. Mas este contexto pode apresentar a maior oportunidade da história de inúmeras empresas brasileiras.

A Endeavor, organização que visa disseminar a cultura empreendedora para desenvolver o Brasil, organizou uma visita ao Vale do Silício na Califórnia. A ONG levou um grupo de empreendedores de diversos países emergentes para conhecer empresas como Google, eBay, Facebook e também alguns dos melhores fundos de venture capital do mundo.

É claro que a crise global certamente dominou boa parte das conversas. Houve certo consenso nas recomendações, sendo que dois fatores que podem ter forte impacto para empreendedores serão a queda na demanda e a dificuldade em obter crédito, devido à escassez e o conseqüente aumento do custo.

A principal preocupação dos empreendedores no curto prazo deve ser com o caixa da empresa. É fundamental monitorar de perto e gerir muito bem as variáveis que estão sob controle, diminuindo custos e reavaliando planos de investimento. Para companhias que têm níveis mais altos de dívida, o ideal é tomar ações enérgicas para reduzir o montante, eventualmente até adiando alguns investimentos menos prioritários. Muitas vezes nos perguntam quais são os principais motivos de falência das empresas. Mas em qualquer caso existe só uma questão: insuficiência de caixa para pagar as contas! Inúmeros fatores que levam a esse quadro precisam ser acompanhados com todo o cuidado para evitar este desfecho trágico. Esta clareza de raciocínio é muito importante em tempos de crise.

Também é necessário revisar todos os planos da empresa e adaptá-los ao novo cenário, considerando todos os impactos que podem ocorrer, como desaceleração de crescimento gerando queda nas vendas. Aqui se aplica perfeitamente a teoria da evolução das espécies de Charles Darwin. Ao contrário do que muitos pensam, a teoria não diz que os mais fortes sobrevivem. Nem os mais inteligentes. Quem consegue se adaptar melhor ao ambiente é que chega longe. Para as empresas vale a mesma regra.

As empresas mais bem-sucedidas do mundo têm uma obsessão constante por fazer mais e melhor. E no Vale do Silício esta busca pela excelência é feita com muito mais disciplina do que no Brasil em geral. A barra está sempre subindo em todas as situações. Um exemplo interessante do Google é de que um funcionário que tem uma ótima avaliação de desempenho em função do que realizou em um trimestre, precisa entregar mais no próximo para ter a mesma avaliação positiva. Na lógica e na cultura da companhia, quem prova que pode fazer mais tem que entregar mais. Não basta fazer o básico. O Brasil tem uma cultura muito mais complacente, mas em tempos difíceis há menos espaço para isto. A busca tenaz por eficiência e resultados não é mais uma opção; passa a ser questão de sobrevivência. Nossos empreendedores que querem continuar no jogo e vencer terão que aprender a incorporar este espírito em suas organizações.

Porém, grandes empreendedores estão acostumados a superar desafios e a crise atual é apenas mais um no caminho de quem tem visão de longo prazo. Para quem pensa assim, vale correr atrás das novas oportunidades que se abrem. Por exemplo, empresas com dinheiro em caixa terão chances únicas de adquirir ativos a valores muito mais baixos que nos anos anteriores. Isso pode valer desde máquinas até empresas concorrentes ou complementares que entrem em dificuldades financeiras.

Outra característica dos tempos de crise é que a disputa por talento fica menos intensa. Companhias capitalizadas ou com boa geração de caixa podem aproveitar para recrutar ótimos profissionais que não estão disponíveis quando o mercado está muito aquecido. O eBay fez isto em 2001, montando um time excelente que permitiu à empresa sustentar um crescimento agressivo nos anos seguintes e consolidar-se como líder absoluto do setor.

Os criadores dos fundos mais bem-sucedidos de investimentos em empresas fizeram boa parte dos seus melhores negócios até hoje em tempos de crise. Enquanto muita gente pára, outros continuam criando uma plataforma sólida com visão de longo prazo. Não se trata de um otimismo infundado para animar o mercado, mas de uma constatação realista de acontecimentos passados, principalmente na década de 80 e no início dos anos 2000.

Quem gosta de olhar o passado para entender padrões, percebe que toda a crise parece a pior da história quando estamos no meio do olho do furacão. Mas economia é cíclica e o brasileiro, em particular, é escolado em superar crises graves.

Na Endeavor, mantemos a mesma mensagem sobre a importância do empreendedorismo para o desenvolvimento do país. Em ambientes incertos se faz ainda mais necessário pensar no futuro. Mais do que isso, temos que desenvolver alternativas e construir um futuro melhor. E os empreendedores são os grandes responsáveis por esta missão, gerando renda, empregos, oportunidades e as soluções que o país precisa para avançar.

Vale lembrar uma definição da Universidade de Harvard, que é atemporal, mas se aplica especialmente neste momento: “empreendedorismo é a busca incessante por oportunidades, independentemente dos recursos controlados no momento”.

Paulo Veras é conselheiro do Instituto Endeavor.

Lud Figueiredo

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