quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Cara a cara com Zuckerberg


A fama de Mark Zuckerberg já ganhou o mundo. Ele criou um site de relacionamentos no seu quarto em Harvard aos 19 anos. Hoje, o Facebook é um fenômeno global que atinge mais de US$ 250 milhões de pessoas e cresce em ritmo espantoso. Zuckerberg deixou de ser o garoto prodígio para assumir o posto de CEO de uma empresa que vale US$ 6,5 bilhões. Mesmo assim, ele mantém o ar de garoto. Chegou para a entrevista a Época NEGÓCIOS com o mesmo visual despojado – camiseta, jeans e tênis – que exibiu nos três dias de visita ao Brasil (VEJA GALERIA DE FOTOS). Por quarenta minutos, na suíte de um hotel de luxo nos Jardins, área nobre de São Paulo, ele falou sobre os planos que tem para a sua rede social. Confira:




Época NEGÓCIOS: Você fala que a internet tem duas direções. Poderia explicar melhor qual é cada uma delas?
ZUCKERBERG: As duas giram em torno do controle sobre a informação disponível na web. Num serviço como o Facebook, são as pessoas que controlam quando, como e quem verá as informações colocadas no perfil. Ao criar um álbum de fotos, você estabelece se seus amigos ou só a sua família poderão vê-lo. Se você mudar de idéia depois, pode mudar essas regras ou tirá-lo do ar. Isso é muito importante. Ter esse nível de controle faz com que as pessoas fiquem confortáveis para compartilhar mais informação. Essa é uma direção. A outra é a da busca. Ao digitar seu nome num buscador, não há como controlar o que será exibido sobre você. Acho que a internet - e o mundo - será melhor se as pessoas tiverem mais controle.

EN: Mas um modelo exclui o outro? Eles não podem conviver?
ZUCKERBERG: Não acho que a internet será apenas um ou o outro. Haverá uma mistura. Mas, antes do surgimento de serviços como o Facebook, não havia muitos meios de controlar a informação. Acredito que serão os serviços que permitem isso que serão adotados cada vez mais.

EN: Isso não coloca o Facebook em rota de colisão com o Google?
ZUCKERBERG: O Facebook é um site. Por isso, é comparado com outros sites como o Google. Mas, com exceção do Orkut, não temos produtos concorrentes. A questão é mais sobre o controle da informação. A nossa filosofia é baseada em controle e provacidade. Essa não é a abordagem do Google.

EN: Essa informação coloca no site é usada para criar propagandas mais direcionadas aos interesses dos usuários. Se alguém gosta de carros, por exemplo, verá anúncios de montadoras. Mas há uma linha tênue entre usar essa informação e abusar dela. Como se equilibra isso?
ZUCKERBERG: Uma coisa a ter em mente é que não compartilhamos essas informações com anunciantes. Se uma companhia quer anunciar no Facebook para pessoas que gostam de suco de laranja e coloca um anúncio direcionado para elas, é o Facebook que mostra a propaganda para as pessoas certas. Quem coloca o anúncio não sabe quem são elas. Essa informação é mantida completamente privada. Só a usamos para mostrar anúncios mais relevantes.

EN: Em meio a uma crise, o Facebook está crescendo e investindo muito dinheiro para isso. Não é uma estratégia arriscada?
ZUCKERBERG: Em crises, muitas companhias tendem a cortar custos, a parar de contratar ou a deixar de fazer coisas que seriam boas para os usuários ao longo prazo. Nós diminuímos algumas coisas, mas ainda estamos tentando crescer para atingir mais pessoas ao redor do mundo. E estamos fazendo isso de forma sustentável. Desde o início do ano, crescemos de 150 milhões de usuários para 250 milhões. A receita também está crescendo muito. Não discutimos resultados financeiros, porque somos uma empresa privada. Mas o faturamento vai crescer 70% neste ano. Estamos muito felizes com isso, porque é algo bastante sólido em uma situação econômica como essa. Daremos lucro a partir de 2010. Quando a crise acabar, teremos a chance de estar em uma ótima posição. Se você olha a historia do Vale do Silício, muitas empresas também fizeram o mesmo. O Google cresceu muito na crise da bolha pontocom. Com a Intel, foi bem parecido. Nos anos 80, Andy Groove, seu CEO, falou para os funcionários: “Todo mundo está desacelerando. Nós vamos arrebentar enquanto isso”. Trata-se de uma estratégia bem comum, na verdade.

EN: Em meio a essa mesma crise, sua companhia recebeu US$ 300 milhões em investimentos. O que faz dela tão especial?
ZUCKERBERG: É uma empresa que cresceu muito rápido. Os investidores valorizam p fato de estarmos indo tão bem em vários paises onde já há grandes redes sociais grandes – e isso inclui o Brasil, onde o número de usuários dobrou nos últimos três meses, para 1,3 milhão de pessoas. Estamos num bom momento. Não sei quão rápido cresceremos e quão bem sucedidos seremos, mas nosso histórico é bom até agora.

EN: O Facebook já enfrentou problemas com a comunidade ao lançar o Beacon, um programa de publicidade que divulgaria automaticamente no perfil cada interação do usuário com marcas. O Beacon foi lançado como padrão, os membros precisavam optar por ficar de fora dele. Isso gerou muitas acusações de invasão de privacidade e um processo movido por um membro da rede social. O Facebook Connect, lançado em julho do ano passado, é um programa optativo que prevê as mesma atualizações automáticas do perfil, mas quando o usuário interage com um site, não com marcas. Podemos dizer que o Connect é resultado de um aprendizado obtido com o Beacon?
ZUCKERBERG: Aprendemos muito nos últimos anos. Mas grande parte dessas reações se é devida ao fato de que as pessoas são muito passionais em relação ao Facebook, e nós estamos sempre lançando novidades e assumindo riscos. É esperado que coisas assim aconteçam. Quando erramos, foi por não termos levado em conta como a questão da privacidade era importante para os usuários. Aprendemos isso e hoje é um grande diferencial em relação à concorrência.

EN: No ano passado, quando o Facebook mudou seus termos de serviço, os usuários protestaram novamente. Os novos termos previam que a companhia poderia manter informações mesmo depois de encerrada as suas contas. Houve uma reação ainda maior porque a comunidade só soube da alteração por meio de um blog. O que aconteceu de errado?
ZUCKERBERG: Foi uma questão de comunicação, um erro não intencional. Quando reclamaram, mudamos rapidamente, em uma ou duas semanas. Se isso era tão importante para as pessoas, pedimos que se manifestassem ao votar os novos termos de serviço, que ainda foram debatidos durante um mês. Foi um processo saudável.

EN: Você acha que a sua companhia está melhorando na comunicação com a sua comunidade?
ZUCKERBERG: Tomara.


EN: Os milhares de aplicativos como jogos e testes usados por membros do Facebook foram criados por outras empresas. Também ficou a cargo dos usuários traduzir o site para idiomas locais. Quanto uma companhia pode relegar a terceiros? ZUCKERBERG: Uma companhia tem que focar no que faz melhor. Para nós, isso significa criar ferramentas para que as pessoas compartilhem informações e fiquem conectadas com amigos e familiares. É melhor criar uma plataforma de desenvolvimento para que outros façam esses programas. Fazê-los não está em nosso DNA. Os melhores exemplos de empresas bem-sucedidas são aquelas que fazem poucas coisas e deixam o resto para a comunidade.


EN: Mas muitas empresas ainda têm medo de perder o controle sobre o processo de inovação.
ZUCKERBERG: Haverá mais inovação com um milhão de desenvolvedores tentando criar programas do que só com uma centena de pessoas fazendo isso no Facebook. Por um lado, abrimos mão do controle sobre o que é feito. O lado bom disso é que muito mais coisas são criadas. Inova-se mais assim.

EN: Você é apontado como um ótimo programador de software. O código do Facebook foi feito inicialmente por você. Mas hoje você diz que cuida mais disso. Qual o seu papel na empresa?
ZUCKEBERG: Eu lidero todo o desenvolvimento de produto e a parte técnica. Realmente não programo mais nada para o Facebook. Às vezes conserto alguns erros, mas programar virou diversão de fim de semana para me manter afiado. Quando criou alguma coisa, são pequenas ferramentas para ajudar a analisar os dados que coletamos e ter uma idéia melhor do que esta acontecendo com os usuários.

EN: Mas qual o seu grau de envolvimento com a parte de negócios?
ZUCKERBERG: No Facebook, não há uma divisão clara entre a parte de negócios e a técnica. Não tem como eu não me envolver com esse lado de negocio da companhia. Criar uma plataforma para desenvolvedores e optar por ter essa grande comunidade de programadores trabalhando com a gente em vez de fazer tudo nós mesmos é uma decisão importante de negócios. Eu ajudo a dar um rumo para a companhia. Mas, para gerenciar a maior parte dos nossos times, contratamos os melhores do mercado. Aprendo muito com eles. São pessoas muito talentosas. Trocamos muito conhecimento entre nós. Isso é parte do que faz o negócio ser divertido.

EN: Foi mesmo Sean Parker [ex-presidente do Facebook e desafeto de Zuckerberg] quem o aconselhou a permanecer como CEO o máximo que conseguisse?
ZUCKERBERG: Ninguém precisaria me dizer isso (risos). Se você olha para companhias de tecnologia, é o CEO que dá a direção. Nas melhores, os fundadores ainda estão no comando. Acho isso é uma parte importante da formula de sucesso.

EN: Mas no Google, YouTube ou eBay, os fundadores deram lugar a executivos mais experientes. Por que não fazer o mesmo?
ZUCKERBERG: Mesmo quando os fundadores não estão mais no comando, eles ainda estão muito envolvidos com o negócio, como se estivessem no posto de CEO. Empresas bem-sucedidas ao longo prazo são aquelas que tem alguém que tem acredita fortemente aonde elas devem ir. São pessoas que têm a habilidade para delinear isso desde o começo e levar a empresa nessa direção. Há mais de uma direção que uma companhia pode seguir. No final das contas, uma das coisas mais importante que se pode fazer é escolher uma delas. Isso cabe ao fundador.

EN: Os seus mentores lhe disseram que as melhores companhias emergem de crises. Quem são os seus mentores?
ZUCKERBERG: Alguns deles estão no nosso conselho. Marc Andreesen fundou a Netscape. É uma das poucas pessoas do mundo que criou duas companhias bilionárias a partir do nada. Don Graham é CEO do The Washington Post. Ele tem uma perspectiva de longo prazo sobre as coisas e esta disposto a investir por um longo período sem se importar em perder dinheiro nesse tempo.

EN: A geração anterior a sua foi responsável pelo estouro da bolha pontocom. No que eles erraram?
ZUCKERBERG: É difícil dizer que pessoas específicas fizeram coisas erradas. Acho que a bolha teve várias questões culturais relativas ao Vale do Silício. Ao mesmo tempo, as pessoas estavam focadas em fazer dinheiro muito rápido. Abriam capital em um ano ou dois. Não acho que você pode criar uma companhia boa tão rapidamente. Muito do que aprendi e grande parte das pessoas com que me associei nos últimos anos têm a ver com uma perspectiva de longo prazo. O que estamos fazendo, fazer com que as pessoas compartilhem mais informação, é parte de uma tendência que se realizará nos próximos diz ou 20 anos. Nos últimos 15 anos, com a internet, já mudou muito a forma como as pessoas interagem em sociedade, seja para obter conteúdo ou se comunicar, e como moldam suas identidades. Isso continuará a ser construído nos próximos anos.


EN: O Google quer organizar a informação do mundo. O YouTube pretende criar um novo canal para consumo de entretenimento. O Facebook faz o mesmo do lado social. Por que é tão importante ter um negócio com uma missão para os empreendedores de sua geração?
ZUCKERBERG: Não comecei o Facebook como uma companhia. Era um projeto feito no quarto para resolver uma problema com que eu me importava. Muitos dos melhores negócios são feitos a partir disso. Se você está apenas focado em fazer dinheiro, acaba vendendo a companhia ou tomando decisões erradas que otimizam o seu dinheiro mas que eventualmente prejudicam o produto. Ouço sempre que o Facebook é cool e me perguntam como vou mantê-lo assim. Nosso objetivo não é fazer algo cool. Estamos tentando fazer algo que seja útil por um longo período de tempo Isso significa que precisamos priorizar o produto, não tentar fazer dinheiro.

EN: Você se vê vendendo o Facebook?
ZUCKERBERG: Não. Tivemos oportunidades de fazer isso. Se quiséssemos, já teríamos feito.


EN: Muito comparam você a Bill Gates. O que você acha disso?
ZUCKERBERG: Ele construiu muito mais do que fizemos até agora com o Facebook. É uma comparação nobre, mas ainda temos um longo caminho a percorrer.

EN: Outro aspecto muito ressaltado sobre você é a sua fortuna bilionária. Mas, ao mesmo tempo, você sempre ressalta que a companhia é privada e que você não tem dinheiro. Como é ser chamado de bilionário sem ser um?
ZUCKERBERG: Essa é uma ótima pergunta. Só quando virarmos uma companhia pública é que vamos fazer dinheiro. Kevin Rose [fundador do Digg, site de conteúdo votado por usuários] tem a melhor explicação para isso. A revista Business Week o colocou na capa como o garoto que ganhou US$60 milhões de dólares de investidores. Em um podcast naquela semana, disse: “Eles entenderam tudo errado. Somos uma companhia privada, então eu não tenho dinheiro. Não um milionário. Não sou sequer rico. Para ter esse sofá que estamos sentados agora, eu tive que pegar dinheiro emprestado”. Comigo também é assim.

EN: Ao mesmo tempo, há muita controvérsia sobre a sua trajetória. Você já foi processado por plágio, uma história contada por Bem Mezrich no livro Accidental Billionaires. Como você lida com essas acusações?
ZUCKERBERG: Procuro focar no que estamos fazendo. Meu amigos leram o livro e me disseram que se trata de um monte de besteiras. Não vou me dar ao trabalho de ler. Um dos motivos pelo qual o Facebook é excitante para mim é que estamos construindo algo importante. Os outros funcionários compartilham dessa mesma visão, e isso nos une.

EN: Mas você não fica nem um pouco irritado?
ZUCKERBERG: A vida é muito curta para isso.

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