terça-feira, 14 de abril de 2009

Novas tecnologias e negócios para as mudanças globais

Fonte: Pesquisa FAPESP

Pesquisadores do Brasil e do Reino Unidos debatem as oportunidades de pesquisa aplicada geradas pelo avanço do conhecimento sobre o tema

Pesquisadores brasileiros e britânicos reuniram-se em São Paulo, para discutir as oportunidades para o desenvolvimento de tecnologias e de negócios que se abrem com os avanços do conhecimento sobre as mudanças globais. O workshop Physics and Chemistry of Climate Change and Entrepreneurship faz parte do Programa FAPESP de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais e é uma iniciativa da Fundação e das instituições britânicas Institute of Physics (IOP) e a Royal Society of Chemistry (RSC), com apoio da Embaixada Britânica em Brasília e da academia nacional de ciências do Reino Unido e da The Royal Society. A abertura do evento teve a participação do diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz; Dipali Chauhan, do IOP; Alejandra Palermo, da RSC; e Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coordenador do Programa FAPESP em Mudanças Climáticas Globais.

O programa teve início com uma palestra de Richard Pike, CEO da Royal Society of Chemistry, que apresentou a situação sobre o uso da energia no Reino Unido e as estratégias usadas pelo país para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa e usar fontes de energia não fósseis. Pike mostrou que, na Inglaterra, parte significativa da energia produzida no país é utilizada no aquecimento de residências e apenas 25% das emissões de carbono estão vinculadas ao uso de derivados de petróleo no transporte. “Reduzir as emissões causadas pelo transporte causará um impacto pequeno”, afirmou. Para o pesquisador, a solução envolverá a adoção de tecnologias variadas, como a energia solar, os biocombustíveis e o hidrogênio. “O tamanho do desafio de substituir os hidrocarbonetos é enorme”, afirmou. Mas Pike criticou a opção de investir em biocombustíveis para substituir os derivados de petróleo, sob argumentação de que isso colocaria em risco a segurança alimentar. “Se a diretriz da União Européia de substituir 5,75% dos combustíveis fósseis por biocombustíveis fosse aplicada, mais de 19% da área agriculturável da Europa seria comprometida”, afirmou. O pesquisador antevê o uso de medidas diversas para reduzir os efeitos das mudanças climáticas, como o reflorestamento massivo e o sequestro de carbono, inclusive com o seu armazenamento no subsolo.

O físico José Goldemberg, disse concordar com o diagnóstico geral de Pike. “Exceto por alguns detalhes – e o diabo, como todos sabem, está nos detalhes”, disse o ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP). Goldemberg discordou do diagnóstico do britânico acerca do futuro dos biocombustíveis. “Trata-se de uma visão eurocêntrica a idéia de que os biocombustíveis irão comprometer 20% da terra. Aqui no Brasil há terra disponível para plantar cana. É só vocês importarem o etanol do Brasil em vez de produzi-lo”, afirmou. Para Goldemberg, o momento abre oportunidades de desenvolvimento tecnológico em frentes como o etanol de celulose, os veículos híbridos, o armazenamento de energia, a aplicação da nanotecnologia em equipamentos fotovoltaicos e, é claro, os biocombustíveis. Goldemberg citou um relatório feito pelo Inter Academy Council, órgão que reúne as principais academias de ciência do mundo, de cuja elaboração participou, que propõe o uso de tecnologias limpas, entre as quais os biocombustíveis, e o aumento da eficiência energética. “O co-chair dessa entidade é um cientista chamado Steven Chu, que se tornou secretário de Energia dos Estados Unidos e que está afinando o discurso do novo presidente norte-americano a essa mensagem”, afirmou.

David Secher, professor da Universidade de Cambridge, abordou os desafios de transformar a pesquisa em mudanças climáticas em benefícios para a sociedade. Consultor de empresas e de governos no campo da propriedade intelectual e da transferência de tecnologia, ele abordou o esforço bem-sucedido feito na Grã-Bretanha a partir de 2000 para promover uma cultura empreendedora nas universidades e aproximá-la das empresas e do governo. “Quando a colaboração é feita de forma adequada, as necessidades da sociedade são atendidas”, diz. Segundo Secher, é um equívoco esperar que os melhores cientistas coloquem seus objetivos de lado para cumprir uma agenda ditada pela indústria. “O ideal é que os melhores se dediquem ao que sabem fazer de melhor. O que falta é ter nas universidades pesquisadores que conheçam os dois mundos e sirvam de intermediários entre o que a indústria necessita e o que os cientistas têm a oferecer”, afirmou. De acordo com Secher, o esquema criado no Reino Unido ainda terá de enfrentar uma série de desafios, como os salários pouco competitivos pagos pelas universidades, a falta de um sistema de avaliação capaz de mensurar o impacto econômico das transferências tecnológicas e o amadurecimento de uma cultura de mudança nas universidades.

O físico Luiz Pinguelli Rosa, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor de seu instituto de pesquisa e pós-graduação em engenharia (Coppe), discorreu sobre o papel do Brasil nas mudanças climáticas e nos desafios para enfrentá-las. Pinguelli criticou o avanço da termoeletricidade como matriz energética do Brasil e mostrou que o potencial de exploração da energia hidrelétrica, bem menos poluente, ainda é grande no país. “Na contramão da história, o governo brasileiro passou a apostar até em termoelétricas movidas a gás natural e a diesel”, disse o professor. Secretário Executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Pinguelli deu uma explicação para a opção brasileira. Segundo ele, enquanto é grande a resistência à criação de novos lagos e barragens, pouca gente enxerga os prejuízos, inclusive à saúde humana, de queimar óleo para produzir energia. “O movimento dos atingidos por barragens é bastante articulado, e não sem razão, porque historicamente foram muito mal tratados pelas autoridades”, afirmou. O físico encerrou sua apresentação falando de oportunidades tecnológicas. Apresentou um filme mostrando o protótipo de uma usina, desenvolvido pela Coppe, que aproveita a flutuação das ondas do mar para gerar energia.

John Twidell, CEO do Amset Centre, entidade que patrocina pesquisa e educação em energias renováveis e sustentabilidade, explorou as opções tecnológicas disponíveis – e disse que cada país adotará uma combinação própria de soluções apropriada a suas necessidades. A energia solar terá, segundo ele, utilidades diversas, tanto no aquecimento de água, como na geração de eletricidade e na refrigeração. “As células fotovoltaicas poderão ser integradas ao design das construções”, afirmou. Twidell enfatizou a importância das políticas públicas para estimular a mudança tecnológica. “O Reino Unido determinou que a partir de 2020 os novos edifícios terão de ser construídos com emissão zero de carbono. Os arquitetos, por exemplo, terão de ser treinados para isso”, afirmou. Em relação aos transportes, ele elogiou a opção brasileira pelos biocombustíveis. “Não preciso falar nada sobre isso, porque vocês sabem tudo. Mas será necessário dar uma ênfase maior ao veículo do que ao combustível. O desenvolvimento de carros híbridos, por exemplo, representa uma grande oportunidade.”

A sinergia entre alimentos, combustíveis e a produção de materiais foi o tema da apresentação do professor Fernando Galembeck, do Instituto de Química da Unicamp. Ele mostrou que o contínuo investimento em CT&I no âmbito da produção de cana-de-açúcar também resultou na produção de outros itens, além do açúcar e do etanol como a lisina usada em suplementos alimentares, poliésteres, celulose , vitamina B, solventes, polietieleno e energia elétrica com o bagaço. “A cana é um poderoso recurso de alimento, combustível e materiais. A área plantada em 2007 era de 2 mega hectares (Mha), mas existem no Brasil cerca de 80 Mha de pastagem, grande parte subutilizadas”, disse. Ele também sugeriu inovações que podem reduzir o impacto gerado na produção de energia elétrica e diminuir a emissão de gases poluentes. “Aumentando o albedo (reflectividade dos raios solares num objeto) das construções é possível diminuir o uso em aparelhos de ar-condicionado,” disse. Para isso, ele lembrou do pigmento que ele e sua equipe desenvolveram na Unicamp e com tecnologia transferida para a empresa Bunge. Usado nas tintas brancas, o pigmento branco nanoestruturado aumenta a reflectividade da luz solar das paredes e construções diminuindo o calor e o uso do ar-condicionado.

John Lucas, professor do Rothamsted Research, tradicional instituto de pesquisas agrícolas do Reino Unido, discorreu sobre os efeitos diretos e indiretos das mudanças climáticas na agricultura. Como efeito direto, citou três quebras de safra do trigo na Austrália nos últimos dez anos causadas pela seca. Entre os efeitos indiretos, está prevista, segundo ele, a mudança na distribuição geográfica de patógenos e a emergência de novas pragas e doenças. Isso já é perceptível na produção de canola no Reino Unido: uma doença que destrói a haste da canola está ampliando seu espectro no território. A ferrugem da soja asiática, que chegou ao Brasil em 2001, é outro exemplo citado. “Faltou fungicida na Europa porque o produto foi consumido pelos produtores brasileiros. Esse tipo de distorção do mercado se tornará mais frequente”, disse Lucas.

Por fim, o professor Luiz Gylvan Meira Filho, do Instituto de Estudos Avançados da USP, falou sobre as oportunidades geradas pelo sequestro biológico de carbono. Segundo ele, o Brasil desenvolveu duas metodologias para aproveitar o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), criado pelo Protocolo de Kyoto. Um delas, criada pela empresa AES Tietê, é voltada para reflorestar as bordas dos reservatórios de hidrelétricas de São Paulo, criando um cinturão de terra protegido. A outra é direcionada ao reflorestamento com espécies, como o eucalipto, para a produção de carvão. “Essa modalidade tem o benefício adicional de se transformar em combustível renovável”, afirma. De acordo com o pesquisador, um terço da produção brasileira de aço poderia basear-se em combustíveis renováveis. “Essa estratégia está sendo testada em outros continentes. No Brasil é o eucalipto. Na África, é o capim elefante, e na Ásia é o bambu”, afirmou. Gylvan também abordou o sequestro de carbono nos oceanos, estimulado pela fertilização das águas com sais de ferro – o que pode estimular a absorção do carbono. “É preciso agora fazer experimentos maiores e documentar o aumento da atividade fotossintética das algas quando os sais de ferro são adicionados”, afirmou.

O workshop contou ainda com a apresentações do diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, Patrick Dunlop, da Universidade de Ulster, Enio Bueno Pereira, do Inpe, Richard Templer, do Imperial College de Londres, Eloi de Souza Garcia, do Inmetro, Ian Forbes, da Northumbria Photovoltaics Applications Centre (NPAC), Carlos Cerri, da USP, Paul Valdes, da Universidade de Bristol.

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